Comer bem é essencial para a nossa saúde, mas para algumas pessoas, a relação com a comida pode ser desafiadora a ponto de comprometer a nutrição e a qualidade de vida. O Transtorno Alimentar Restritivo Evitativo (TARE), conhecido no meio clínico como ARFID (Avoidant/Restrictive Food Intake Disorder), é uma condição que vai além da simples seletividade alimentar.
Neste artigo, vamos explicar o que é o TARE, quais são suas características, impactos e possíveis tratamentos.
O TARE é um transtorno alimentar caracterizado por uma restrição significativa na alimentação, seja na quantidade (volume ingerido) ou na variedade (evitação de certos alimentos). Geralmente se manifesta na infância e pode durar a vida toda, especialmente sem tratamento.
O TARE pode levar a consequências sérias para a saúde, como:
✅ Perda de peso ou crescimento prejudicado (em crianças e adolescentes);
✅ Deficiências nutricionais, como falta de ferro, zinco, vitamina B12, entre outras;
✅ Dependência de alimentação suplementar para garantir nutrientes essenciais;
✅ Impacto na vida social, com dificuldades para participar de eventos que envolvem comida.
Diferente de transtornos como a anorexia nervosa e a bulimia, o TARE não está relacionado a preocupações com o peso ou a forma corporal. Ou seja, a pessoa não evita comer porque deseja emagrecer, mas sim por outros fatores que podem estar ligados a aspectos sensoriais, medo de passar mal ou até falta de interesse em comer.
O DSM-5, manual de referência para transtornos psiquiátricos, divide o TARE em três perfis principais:
1. Sensibilidade sensorial (Subtipo Sensorial)
Algumas pessoas com TARE apresentam uma grande sensibilidade a texturas, cheiros, cores ou temperaturas dos alimentos. Isso faz com que evitem diversos grupos alimentares, tornando a alimentação extremamente limitada.
Exemplo: uma criança que só aceita alimentos de determinada cor, textura ou que rejeita qualquer comida que tenha um cheiro desagradável para ela.
Há um forte componente genético presente e o paciente pode ter comorbidades como a Transtorno do Processamento Sensorial.
2. Medo de consequências aversivas (Subtipo Traumático)
Pessoas desse perfil têm medo intenso de engasgar, vomitar, passar mal ao comer ou até mesmo ter uma experiência negativa. Isso pode acontecer após uma experiência traumática com a alimentação, como um episódio de sufocamento ou uma reação alérgica.
Exemplo: um adulto que, após um episódio de intoxicação alimentar, desenvolve um receio exagerado de consumir certos alimentos, restringindo a dieta.
3. Falta de interesse em comida/comer (Subtipo Desinteressado)
Algumas pessoas simplesmente não sentem prazer ao comer ou não têm apetite suficiente para manter uma alimentação adequada. Isso pode estar relacionado a um baixo nível de fome percebida, dificuldades gastrointestinais e principalmente questões psicológicas e neuropsicológicas.
Exemplo: um adolescente que sempre “se esquece” de comer porque não sente fome e vai perdendo peso progressivamente.
A restrição alimentar pode levar a diversas deficiências nutricionais, especialmente em pessoas que evitam grupos inteiros de alimentos.
🔸 Deficiência de vitamina B12, zinco, ferro e proteína → Pode causar fadiga, pele seca, queda de cabelo, anemia e até problemas de crescimento.
🔸 Baixa ingestão de ferro → Afeta a concentração, aumenta a irritabilidade e reduz a energia.
🔸 Falta de zinco → Pode prejudicar o paladar e o olfato, além de enfraquecer o sistema imunológico.
🔸 Deficiência de cálcio e vitamina D → Impacta a saúde óssea, podendo aumentar o risco de osteoporose no futuro.
Além disso, a desnutrição decorrente do TARE pode levar a complicações mais sérias, como bradicardia (frequência cardíaca muito baixa), alterações gastrointestinais e até amenorreia (ausência de menstruação em mulheres).
O diagnóstico do TARE deve ser feito por um profissional da saúde especialista em Comportamento e Transtornos Alimentares, preferencialmente um psicólogo, psiquiatra ou nutricionista qualificado. A avaliação inclui:
✔️ Histórico alimentar detalhado;
✔️ Avaliação do crescimento e do peso;
✔️ Exames para verificar deficiências nutricionais;
✔️ Investigação de possíveis alergias alimentares.
Muitas vezes, o TARE pode estar associado a outras condições, como autismo, ansiedade ou problemas gastrointestinais. Por isso, uma abordagem multidisciplinar é essencial para um tratamento eficaz.
O tratamento do TARE é individualizado e pode envolver diversas abordagens, sendo em crianças e adolescentes o Protocolo TARE, que é uma terapia baseada na família, uma das mais eficazes, e em adultos o Protocolo TARE traz diferentes técnicas cognitivas, sensoriais, comportamentais e corporais sendo extremamente recomendadas.
O Protocolo TARE envolve a participação dos pais ou responsáveis para que assumam um papel central na recuperação alimentar do paciente. O tratamento segue três fases principais:
🔹 Fase 1: Os pais são orientados com base no Protocolo TARE e usam técnicas como aproximação indireta, desenvolvimento sensorial, que promovem segurança na alimentação da criança. Isso pode incluir trabalho de regulação emocional, incentivo sensorial e estratégias para incentivar a exposição a novos alimentos.
🔹 Fase 2: Gradualmente, a criança ou adolescente recupera a autonomia alimentar, mas ainda sob supervisão e com restrições. Trabalho de mentalidade e relação com a comida é bastante importante nessa fase.
🔹 Fase 3: Trabalham-se aspectos mais amplos do desenvolvimento, garantindo que a relação com a comida seja sustentável a longo prazo. A flexibilidade alimentar deve começar a aparecer com a melhora da rigidez e/ou medo do alimento.
Essa abordagem já se mostrou eficaz no tratamento de transtornos como a anorexia e a bulimia, e vem sendo adaptada para o TARE com bons resultados.
✅ Exposição gradual aos alimentos temidos → Ajuda a reduzir a ansiedade e a resistência alimentar.
✅ Dessensibilização sensorial → Técnicas para aumentar a aceitação de diferentes texturas e sabores.
✅ Estímulo ao apetite e ao interesse pela comida → Estratégias comportamentais para incentivar a alimentação espontânea.
✅ Suporte nutricional → Para corrigir deficiências nutricionais e evitar impactos na saúde.
Apesar dos avanços no diagnóstico e tratamento do TARE nos últimos anos, ainda há muito a ser estudado. Pesquisadores apontam a necessidade de desenvolver ferramentas de avaliação mais precisas, especialmente para crianças cujos pais podem ter dificuldade em reconhecer o problema.
O TARE é um transtorno alimentar sério que vai além da seletividade alimentar comum, podendo trazer impactos significativos para a saúde física e emocional. O diagnóstico precoce e o tratamento adequado são essenciais para garantir a nutrição e o bem-estar dos pacientes.
Se você ou alguém que você conhece apresenta sinais de TARE, procure ajuda especializada para diagnóstico e tratamento o mais rápido possível. Quanto mais cedo o problema é identificado e tratado melhor.
Idealizadora do Instituto de Pesquisa do Comportamento Alimentar de Curitiba (IPCAC), psicóloga, especialista em Comportamento e Transtornos Alimentares, professora de pós-graduação, pesquisadora, supervisora clínica, preceptora e palestrante na área do comportamento alimentar.
Em sua carreira acadêmica, já lecionou e palestrou em diversas cidades do Brasil e também nos Estados Unidos, Canadá, Argentina, Espanha e Portugal.
É pioneira no tratamento de problemas alimentares, desenvolveu ao longo dos anos uma abordagem gentil para lidar com questões do corpo, alimentação e saúde mental. Sua metodologia está ancorada à mudança do Estilo de Vida, Técnicas Corporais e na Alimentação Consciente e Intuitiva e já mudou a vida de mais de 2000 pacientes e alunos com Comer Emocional e Transtornos Alimentares.
Em 2018 idealizou a Especialização em Comportamento e Transtornos Alimentares, sendo o primeiro curso a formar especialistas com treinamento prático em ambulatório.
Hoje tem vários cursos e mentorias, seja no nível técnico, seja no estratégico para ajudar profissionais da saúde a crescerem e terem sucesso.