Autoaceitação…

Escrever esse texto foi difícil. Foi bem difícil. Eu sabia o que queria dizer, mas não estava achando inspiração. Tentei várias estratégias ao longo dos dias, tentei colocar em prática várias técnicas conhecidas para começar a escrever, mas nada adiantava. Eu estava empacada. Quanto mais o tempo ia passando, mais eu ficava ansiosa e mais me cobrava. E logo vieram os pensamos disfuncionais, tão desagradáveis, me dizendo que eu não ia conseguir, que eu não sabia do que estava falando, que eu não era boa o suficiente. A ansiedade aumentou e os pensamentos deixaram de ser específicos sobre aquela situação e se generalizaram – comecei a pensar em outras coisas que eu não tinha conseguido dar conta do jeito que eu queria e me vi falhando em várias outras situações que ainda nem tinham acontecido.

Finalmente percebi que não daria conta dessa situação sozinha e fui conversar com amigas em quem eu confio e que me ajudaram a lembrar que eu precisava respeitar meu tempo – pois é: nós, psicólogas, somos humanas antes de sermos profissionais e também estamos sujeitas à questões emocionais que não conseguimos resolver sozinhas.

Segui o conselho das minhas amigas e me respeitei. Foquei em outras coisas que eu precisava resolver, tive um tempo de relaxamento com pessoas que me fazem bem, pratiquei a atividade física que eu gosto e, quando eu menos esperava, enquanto eu tranquilamente tirava o lixo do apartamento, eis que surge a tal da inspiração. A partir daí foi fácil, o texto veio rapidinho, sem sofrimento, como se tivesse estado o tempo todo ali na minha cabeça.

Sabe por que eu estou te contando isso? Para dizer que aceitar as coisas que não estão sob nosso controle ou não são do jeito que a gente gostaria pode ser um processo difícil mesmo. Em geral, temos um monte de regras sobre como temos que agir e como as coisas tem que acontecer. Usamos isso para tornar a nossa vida um pouco mais previsível e facilitar a nossa adaptação. Mas a verdade é que, no fim das contas, essa sensação de controle é só uma ilusão mesmo. Sempre que nos apegamos demais às frases que começam com “eu deveria” ou “eu tinha que”, tornando-as regras rígidas a serem seguidas, estamos muito mais propensas a sofrer quando algo sai do controle. “Eu deveria conseguir escrever esse texto”, “eu tinha que fazer exercício todos os dias”, “eu deveria conseguir me controlar”, “eu tinha que dar conta”, “eu deveria saber controlar minhas emoções”, “eu tinha que saber tudo”… Frases como essa são comuns no seu dia a dia?

Temos a tendência de achar que as coisas estão sob nosso controle, mas a verdade é que elas não estão. Pelo menos não do jeito que gostaríamos. A gente não pode controlar o que sente nem o que acontece com a gente. E aceitação é trabalhar para lidar bem com isso. Não tem nada a ver com conformismo, com ficar sentada vendo a vida passar e deixar as coisas simplesmente acontecerem. Tem a ver com aprender a se respeitar. Com se conhecer o suficiente para saber quem é você, quais seus limites, quais suas necessidades em cada momento, até onde você pode se forçar a ir ou a partir de qual momento é importante abrir mão. E eu digo isso em relação à vários aspectos da vida: trabalhos, relacionamentos e a forma como lidamos com nossa aparência. Somos bombardeadas o tempo todo por ideais de beleza, de produtividade e pelo discurso meritocrático que te diz “você é capaz”, “é só querer”, “é só ter força de vontade”, “deixei suas desculpas de lado”. E é muito fácil acreditar nisso, porque é vendido de uma forma muito eficiente. Algumas pessoas parecem realmente “chegar lá”. E quando nos deparamos com as nossas próprias limitações nos culpamos, aumentamos nosso julgamento interno que diz que não somos boas o suficiente e nos cobramos mais ainda, nunca de maneira de gentil.

Até que ponto isso realmente funciona para promover uma mudança de comportamento? Quantas vezes já funcionou para você? Algumas pessoas podem até dizer que ser o seu próprio carrasco as ajudou a conseguirem algo, mas eu me arriscaria dizer que foi um caminho muito mais sofrido e doloroso. E esse não é o único caminho possível.

Outro caminho, muito mais agradável de seguir, é aquele em que se trabalha o respeito, o amor próprio, a compaixão e o autoconhecimento. Para isso, podemos começar reconhecendo nossas qualidades, nossas conquistas diárias (por menores que pareçam), aquilo que estamos dando conta de fazer, ainda que não sejam exatamente como gostaríamos que fossem. Quanto mais capazes formos de reconhecer e enfraquecer aquela voz que diz que “não fizemos mais que a obrigação”, mais teremos espaço para ouvir outras vozes, mais gentis, que podem nos lembrar como somos capazes. E aí nos sentiremos cada vez mais confiantes para dar novos passos, caminhar na direção que queremos. Trabalhar nossa confiança em nós mesmas não significa garantir que daremos conta de tudo, mas sim que, se as coisas não saírem do jeito que esperamos, seremos capazes de nos acolher, nos reerguer, reavaliar a situação e tomar novas decisões. Em outras palavras: se conhecer e ser capaz de aceitar quem você é e viver em paz consigo mesma.

Como você tem se tratado quando conversa consigo mesma? Como lida com seus erros, com seus pontos fracos?

Essa pergunta pode revelar muito sobre como é sua relação consigo mesma.

Quando não temos uma autoestima fortalecida ficamos à mercê da validação dos outros. Precisamos que os outros nos digam que somos bons o suficiente.

Aceitar quem somos não significa acomodação.

Aceitação é, antes de tudo, um exercício de autoconhecimento que te permite entender suas limitações e lidar com elas sem críticas e julgamentos.

Muitas vezes acreditamos que se formos muito severos então poderemos mudar aquilo que sentimos e fazemos. Mas te pergunto: quantas vezes isso funcionou para você? Ser muito duro consigo mesma realmente traz mudanças ou só te coloca ainda mais pra baixo?

** Texto da nossa psicóloga Thalita Martins

2 comentários sobre “Autoaceitação…

  1. Adorei o texto, e já estava com saudades das postagens da Dra Thalita, pois sempre vem de encontro com questões tão reais e atuais da sociedade! Ele nis traz uma reflexão o quanto se punir tem a ver com se aceitar? E até que ponto ele está realmente lhe trazendo benefícios?
    É nós mostrando formas mais carinhosas de lidar consigo mesmo, que realmente é a maneira correta de se tratar com amor e respeito.
    Também confesso que estranhei o início, porque sim, muitas vezes esqueço que psicólogos não são perfeitos e são seres humanos…
    Mas quando fala em autoaceitação, não sou muito boa nesse “trem”, para mim ela é a minha maior dificuldade, são anos incansáveis em luta para a o mesmo…
    Parabéns Dra pela excelente reflexão

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